quarta-feira, 12 de maio de 2010

(2010/014) Indiciarismo, ainda...

1. Brilhante, Osvaldo, brilhante a indicação do site Indiciarismo.net. Andei vendo os artigos e, certamente, esse fim de semana os lerei.

2. Para aproveitar essa indicação sua e o tema desse blog, quero também propor um exercício. A você, amigo co-blogueiro, e aos nossos assíduos caçadores.

3. Estava eu lendo as notícias diárias, como todos os dias faço na internet, quando vi uma pequena chamada que falava sobre o acidente com o avião da Air France, ano passado. Pois é, a nota era pequena mesmo, mas como a mídia e o povo, em geral, têm memória com prazo de validade curto ou os assuntos correntes obedecem a modismos periódicos, volto ao tema, mas sob um outro olhar.

4. O link com a notícia, veja aqui.

5. A notícia, em trechos selecionados e destacados:

Após dados de submarino, França diz esperar encontrar destroços do avião da Air France

5.1. Os investigadores franceses encarregados de determinar as causas do acidente com o voo 447 da Air France, que caiu no oceano Atlântico em 31 de maio do ano passado, afirmaram nesta segunda-feira que esperam localizar os destroços da aeronave, com as novas pistas apresentadas por um submarino nuclear francês.

5.2. A partir dessas informações, estabeleceu-se uma zona de 200 km quadrados situada mais ao sudeste da região onde até agora se buscava o avião, na costa brasileira. As pesquisas se voltam a este novo perímetro, afirmou hoje, em Paris, o diretor do Escritório de Investigação e Análise (BEA, na sigla em francês), Jean-Paul Troadec.

5.3. A mudança de parâmetro de busca foi feita na sexta-feira passada, depois de se captar sinais sonoros que possivelmente eram as emissões das caixas-pretas do avião.

5.4. Troadec assegurou que os sinais captados pelo submarino nuclear correspondem por intensidade, frequência e forma aos emitidos pelas caixas-pretas dos aviões e descartou que sejam sons de origem biológica ou geológica.

5.5. Em dois dias, os submarinos do navio norueguês "Seabed Worker" encerrarão as buscas nessa nova área e, então, se saberá se as informações da Marinha francesa eram corretas, afirmou em entrevista coletiva.

5.6. Por enquanto, foram explorados dois terços dessa área retangular, de 10 km de comprimento e 20 km de largura, onde se estima estarem os restos do avião, conforme os dados obtidos pelo submarino nuclear "Emeraude". Ainda não foram encontradas as caixas-pretas do Airbus A330, fundamentais para se determinar as causas do acidente, que causou a morte dos 228 ocupantes do avião.

5.7. Apesar de admitir que a zona de busca é muito complexa por causa do relevo acidentado no fundo do mar, a uma profundidade entre 2.600 e 3.600 metros, Troadec assinalou que essa é a melhor pista que os investigadores têm e que, portanto, nela vai se centrar a nova campanha de buscas.

5.8. A essa campanha, que irá até o dia 25, serão destinados 3 milhões de euros, financiados pela companhia aérea Air France e pela Airbus, fabricante da aeronave. Troadec não afirmou se haverá mais investigações caso as atuais não tenham êxito.

Na última quinta, a França informou que os destroços do avião estão em uma zona do "tamanho de Paris, onde o relevo submarino se assemelha à Cordilheira dos Andes".

(...)

5.9. As caixas-pretas com os registros de voo continuam desaparecidas, e apenas pequenas
partes dos destroços do Airbus A330 foram encontradas.

6. Ao ler essa notícia, com atenção aos dados destacados (destaque meu), me pus a pensar em como um historiador analisaria esse fato. De imediato, me veio à mente duas perspectivas: (a) adotando a perspectiva de uma história baseada na narrativa, centrada em análises linguisticas e retóricas, o enunciado seria: "o acidente, enquanto tal, o objeto "acidente em si" jamais poderá revelar algo sobre o acontecido, é impossível determinar as causas ou porquês do acidente. O sujeito-leitor é que deve, a partir de sua cosmovisão, hoje, determinar a discurssividade desse evento"; (b) aos moldes de Ginzburg e outros (rotulados de) "neopositivistas" ou "objetivistas" diriam: "é necessário examinar os dados, os indícios, os sinais mais negligenciáveis do fato ou do que temos sobre o fato e re-construir o evento em si, pois o objeto 'acidente de avião', por meio de seus vestígios, pode sim ser compreendido."

7. Tudo bem que esse blog não é discípulo de Nostradamus e nem quer proferir vaticínios acerca do que um ou outro faria em situações como essas. Porém, o que se faz muito claro nessa perspectiva é a operação racional que se desenrolou pelas agências investigativas na busca pelo evento fundante. Sinais foram captados. Novas pistas. Uma nova abordagem foi estabelcida. Um "recorte" na área foi efetuado, ou seja, uma delimitação do espaço onde se quer analisar. A zona de pesquisa é muito complexa. Esses sinais são as melhores pistas que se tem sobre o evento.

8. Ora, caro amigo leitor, o procedimento adotado pelas equipes de busca não é, em nada, em absolutamente nada, diferente daquele adotado por estudiosos que se identificam com a epistemologia (b) acima descrita. O evento aconteceu. O objeto "acidente do avião" tem algo a falar. O que nos sobram são pistas, vestígios, somente. Pois bem, uma perícope (do grego: peri = em torno; kopeo = corte) marítima foi estabelcida. A despeito das dificuldades que se tem em proceder à busca, essa é a melhor maneira que se enxerga no momento. Ora, isso não cheira a método historiográfico, exegético, heurístico de estudo do passado?

9. Uma distância temporal se coloca entre os investigadores e o evento em si. Mas isso é motivo para não se conhecer o que houve? Sim e não. Sim porque somente o piloto, tripulação e passageiros poderiam dizer o que verdadeiramente aconteceu, isso, de fato, perdemos. Não, pois os vestígios lá estão, não são "representações", não são "interpretações", são objetos, fatos, peças, mas precisam ser coladas. Assim, um peça do lado da outra, será possível estabelecer uma leitura plausível do acontecimento.

10. Desvendar o que ocasionou o acidente ameniza a dor das famílias que perderam seus entes queridos? Não. Todos sabem que não ameniza e muito menos os trás de volta. E quem disse que essa investigação tem, neceessariamente, que produzir sentido? Quem disse que o estudo de textos históricos, bíblicos, poéticos, acontecimentos passados políticos, sociais, etc, têm que produzir sentido? Antes, desvelar a realidade. Eis o que nos distingue de toda espécie que respira sob a face de Gaia. Apreensão da realidade. O sentido? Ah, esse deixe que cada família produza seus próprios mitos, deixe que cada tradição cultural na qual estão inseridos expliquem e ordenem a tragédia de uma forma que produza sentido para aqueles corações partidos...

11. A ciência? Deixe que essa desvele a realidade, daí pra frente, que ela se cale, pois seu papel estará feito: abateu a caça. Banquetemos, pois, com efusivos brindes à ciência, pois sabemos que dela tudo o que podemos obter são os fatos e que cada um os mitifique como lhe convier...

DANIEL BRASIL JUSTI

Nenhum comentário:

Postar um comentário