sexta-feira, 14 de maio de 2010

(2010/016) O sentido das coisas


1. A propósito do que esse blog comentou em alguns posts e "provocado" pelo post, (2010/379) De certo uso do termo semiótica e saída pela direita, de meu amigo blogueiro Osvaldo, em seu outro blog conjunto com amigos, teço a seguir alguns comentários.

2. A tentativa de alguns intelectuais em promover, nas ciências humanas e sociais, a busca pelo sentido, como herdeiros de um deslocamento pós-moderno da verdade das coisas em si para a verdade enquanto produção do sujeito único, portanto subjetivo, como consequencia, relativa, traz algumas contradições. No post mencionado, Osvaldo evita fazer um status quaestionis do assunto. Como Chronos não me tem sido favorável nos últimos meses, aqui também não tenho tal intento. Mas ocupo-me em sublinhar um aspecto desse tema que me causa urticária.

3. Viajemos a Gadamer. No contexto intelectual em que se insere sua produção do livro de irônico título "Verdade e Método", o autor situa o seguinte cenário polarizado: de um lado os objetivistas, os proponentes de uma análise histórica fundada na verdade do objeto em si onde o sujeito pouco interfere na construção histórica e a representação do conhecimento histórico está menos focada na subjetividade do sujeito e mais voltada para a busca do objeto em si. Segundo Gadamer esse pólo peca por estinguir a distância temporal do binômio sujeito/objeto e, portanto, constrói uma verdade muito mais como leitura do passado a partir de um presente. Na outra extremidade do pólo, os subjetivistas, aqueles que suprimem a existência do obbjeto passado em si mesmo e enfatizam majoritariamente o sujeito que representa esse passado. Assim, toda a verdade construída pelo discurso histórico está pautada na subjetividade do individuo que, por não mais poder acessar o passado em si, ou até mesmo negar sua existência, constrói sua representação.

4. Crise da representação ou virada linguística. É esse o nome que a historiografia deu para o evento acima descrito no qual Gadamer propõe uma via média. A mediação desses dois pólos então seria, antes de qualquer análise histórica, o sujeito observar o que a tradição diz sobre aquele objeto, depois, mesmo negando a existência do objeto em si, pois se perdeu no passado, construir uma narrativa, a partir da hermenêutica filosófica para re-apresentar o passado em termos do presente. Ou seja, a "fusão de horizontes, passado e futuro" como construção da verdade heurística. Note-se aí a importância do sujeito presente e da composição da narrativa para construção do objeto.

5. Ora, o método em si proposto por Gadamer, a hermenêutica filosófica, traria à ciência então, a única e exclusiva função de atualizar o passado nos termos do presente. Sendo assim, o evento passado, o fato histórico em si, desaparece e o que surge então é a narrativa, o discurso sobre esse passado. A virada linguistica em Gadamer e em seus sucessores é promovida, pois do objeto em si nada mais se tem, o que se tem é um discurso, uma narrativa sobre ele, logo, somente a linguistica e análise do discurso seriam capaz de dar conta do conhecimento histórico-científico.

6. Ainda, um debate pode ser relembrado para situar mais um pouco essa questão. Carl Gustav Hempel entendia a história a partir de um modelo dedutivo-nomológico, ou seja, adotando o modelo das ciências naturais (observação, experimento e formulação de leis gerais) a história poderia ser capaz de enunciar grandes aspectos gerais que comporiam um rumo pelo qual a história caminha e caminharia, no futuro...
William Dray, por sua vez, contrapõe tal argumento e quer voltar a Dilthey: "o padrão das ciências do espírito não pode ser o mesmo das ciências naturais". Dessa forma, cada evento histórico deve ser análisado a partir de suas particularidades, somente. Não se pode formular leis gerias, apenas conceitos, como ferramentas cognitivas que melhor ajudam a compreender a realidade. Eis uma conclusão importante de Dray a partir do que ele propõe: o historiador deve, então, contar uma história dotada de sentido, com validade discurssiva, para dar sentido ao que analisa, ou seja, eventos históricos particulares, e por serem particulares, dotados de sentido.
Depois dessa mudança promovida por Dray, A. C. Danto estabelece que a narrativa é a forma característica melhor de contar a história, pois confere sentido à realidade.
O desdobramento posterior a isso aparece com vigor no texto de Lawrence Stone, "o retorno da narrativa", onde o historiador inglês assume a verdade de Danto e complementa: "a narrativa nunca saiu do 'jogo' da história, mas foi eclipsada. Daí em diante, são forjados os conceitos da historiografia pós-moderna (não fundacional, segundo termos do Osvaldo) calcados na linguistica e retórica.

7. Pequena digressão: Paul Ricouer é a "voz que clama no deserto" indicando a necessidade de se redefinir o conceito de narrativa para tentar ordenar esse impasse metodológico, pois o conceito de narrativa estaria na base das vertentes historiográficas pós modernas e as derivadas dos Annales.

8. Enfim, com breves citações do que, para mim é uma parte da gênese dessa chaga pós moderna de conferir sentido ao discurso científico, convém destacar um incômodo advindo de uma contradição que percebo no discurso desses cientistas saudosos de uma metafísica que se foi no século XIX (sim, com primieros processos no XVIII).

9. O contexto imediato das Grandes Guerras na Europa, nesse caso, para mim, é decisivo para remontar a busca pelo sentido nas ciências. O existencialismo indagador do vazio de sentido no projeto ocidental-racional, filho do Iluminismo, questiona as bases epistemológicas da configuração científica que o bicho homem vai construindo nos moldes das ciências humanas e sociais. Sendo assim, a questão é: que sentido a apreensão de realidade via modelo racional-cartesiano deixa como legado? Se as coisas, em si mesmas (leia-se, construção social da civilização ocidental) são vazias de sentido, se a existência é um sem-sentido completo, algo precisa mudar...

10. Ora, o que se vê até hoje é essa questão de fundo, dessa forma, negar o projeto científico-racional construído até então como um incômodo, daí a necessidade de se formular uma nova saída, a semiótica. Há quem resista a isso, mas esses, taxados de neopositivistas, sobra a censura pós-moderna...


11. Desculpem o arrazoado, redigido em transe, como o post (2010/009) de meu amigo co-blogueiro, mas é uma intuição que me perturba, faz algum "sentido"?

DANIEL BRASIL JUSTI


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