segunda-feira, 17 de maio de 2010

(2010/017) História Cultural de Ginzburg?

1. Saudações a todos amigos de caça nessa semana que se inicia! Não se irrite, correligionário caçador, caso ainda não tenha satisfeita sua fome de destrinchar o texto de Ginzburg. Os compromissos acadêmicos desses que dirigem o blog são muitos e também a preparação de textos mais sólidos para postagem estão à caminho. Enquanto isso, discutamos com a excelente professora Jacqueline Hermann, do Departamento de História da UFRJ. Pessoalmete cursei sua disciplina de História Moderna II e aqui endosso sua competência pela publicação e (meus) ligeiros comentários de sua leitura sobre a obra de Ginzburg.

2. Em tempo: o texto abaixo foi retirado do site "História & Memória", um periódico eletrônico mantido por alguns alunos e ex-alunos de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. O endereço? Ficou curioso? Quer visitar/contribuir com o site dos colegas? Eis o link: http://www.ifcs.ufrj.br/humanas/

3. O texto, na íntegra (os destaques são meus):

A História Cultural de Carlo Ginzburg

Jacqueline Hermann
Professora de História Moderna da UFRJ

3.1. “Eu disse que segundo meu pensamento e crença tudo era um caos [...] e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses formam os anjos. A santíssima majestade quis que aquilo fosse Deus e os outros, anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele também criado daquela massa, naquele mesmo momento...”

3.2. Essas poucas frases resumem o núcleo das idéias defendidas por Domenico Scandela, o moleiro conhecido como Menocchio, diante dos inquisidores italianos, em 1584. Nascido em Montereale, pequena aldeia do Friuli, foi denunciado ao Santo Ofício pelo pároco dom Odorico Vorai, antigo desafeto que o acusava de pronunciar palavras “heréticas e totalmente ímpias”. Crítico do clero, da Igreja e da opressão contra os pobres, Menocchio foi descoberto por acaso quase quatro séculos depois. A análise cuidadosa de seu processo deu origem ao clássico O queijo e os vermes, livro publicado em 1976 e editado no Brasil 10 anos depois.1

3.3. A história de Menocchio não é, no entanto, apenas um relato insólito e extraordinário de algum personagem bizarro, embora ele seja também peculiar. Na lente de Ginzburg, e dando curso a reflexões que se iniciaram antes desse trabalho, a análise do estranho caso de um moleiro perdido nos campos de uma Itália em luta contra o avanço protestante deu corpo a uma profunda reflexão sobre a escrita da história, suas dificuldades, desafios e possibilidades.

3.4. Ainda nos anos de 1960, quando pesquisava processos de bruxaria entre os séculos XVI e XVII, Ginzburg deparou-se com um conjunto de documentos sobre os benandanti, ou os andarilhos do bem, defensores das colheitas contra bruxos e feiticeiros. A análise do ritual de fertilidade seguido por esses camponeses, resultou no livro I benadanti2, publicado originalmente em1966, e que revelou um núcleo de crenças populares ainda muito identificadas a resquícios de uma cultura oral, pagã e popular de longa duração, mas que paulatinamente foram assimilados à feitiçaria. Ginzburg estaria analisando a essa altura, e segundo suas próprias palavras “a mentalidade de uma sociedade camponesa” e suas conclusões apontavam para um processo de aculturação dos benandanti, na medida em que, entre 1580 e 1650 estes passaram de uma atitude de defesa da autenticidade de suas crenças para uma aceitação gradativa da acusação de feitiçaria perpetrada pelos inquisidores.

3.5. Durante o trabalho sobre os benandanti, Ginzburg encontrou o processo de Menocchio e, dez anos depois, era publicada a história do moleiro friulano. Entre os dois livros, no entanto, um longo percurso teórico-metodológico alterou substancialmente as idéias de Ginzburg acerca das relações entre as classes subalternas e dominantes, ou, para falarmos dos processos inquisitoriais estudados, entre inquisidores e populares camponeses acusados de feitiçaria. Se no caso dos benandanti a assimilação das acusações parecia refletir sem muita dificuldade a dominação de uma “mentalidade” vitoriosa, no caso de Menocchio as certezas deram lugar a uma flexibilidade maior e à necessidade de reformulações nas peças de um delicado quebra-cabeças.

3.6. Já no Prefácio de O queijo e os vermes o autor deixa clara a recusa do conceito de mentalidade, exatamente pelo que mais havia valorizado na trajetória dos andarilhos do bem: o caráter interclassista e de longa duração das crenças populares, tomadas sempre no que tinham de aparentemente imóvel, inconsciente, irracional. Para Ginzburg, as idéias de Menocchio não podiam ser diluídas e ocultadas no que pudessem ter de original, e mesmo admitindo que sua decifração completa e definitiva jamais poderá ser alcançada, optou pelo termo “cultura” em sua acepção antropológica: conjunto de atitudes, crenças, códigos de comportamento próprios das classes subalternas num certo período histórico. Aliou, assim, ao estudo de práticas e crenças populares o conceito de classes para reencontrar, renovado, o conflito social banido das mentalités.

3.7. Mas além desse passo, nada pequeno, diga-se de passagem, Ginzburg defrontou-se ainda com o desafio de resgatar, ou reinventar, no terreno da cultura, as diferentes maneiras de enfrentamento entre cultura dominante e subalterna. Admitidos os dois níveis, e afastada a possibilidade de uma assimilação direta da cultura dominante pelos populares, Ginzburg encontrou em Mikhail Bakthin a inspiração para a formulação do conceito de circularidade cultural. Na obra L'ouvre de François Rabelais et la culture populaire au Moyen Age et sous la Renaissance3, publicada na França em 1970, Bakthin procurou compreender a presença de termos chulos, grosseiros e obscenos na obra de Rabelais, um literato e médico francês que freqüentava a corte, e encontrou na convivência de Rabelais com o mundo da praça pública a explicação para a presença de aspectos populares em sua obra. Sem entrar no mérito da avaliação nada lisonjeira que Bakthin faz da cultura popular renascentista, Ginzburg resgatou do lingüista russo a dinâmica cultural que levou Rabelais a assimilar aspectos da cultura popular e aprofundou a reflexão sobre o movimento recíproco e contínuo que influencia os diferentes níveis culturais.

3.8. No caso de Menocchio, um moleiro que destoava do seu grupo por saber ler e escrever, Ginzburg descobriu uma teia de imbricações, reapropriações e, mesmo admitindo ser Scandela e sua história “um fragmento perdido, que só nos alcançou por acaso [...], através de um gesto arbitrário”, fez da decifração de sua cosmogonia um ensaio de teoria e metodologia, um roteiro para o estudo do que hoje chamamos “história cultural”. Como um antropólogo, ou, para usar sua própria formulação, como um verdadeiro inquisidor4, nosso autor desbravou os processos de Menocchio procurando desvendar os prováveis, ou improváveis, caminhos assumidos pela interpretação peculiar de textos como os de Boccacio, Mandeville e da própria Bíblia, capazes de ensejar a elaboração da fantástica tese do queijo e dos vermes.

3.9. O contato com o mundo das letras, e mesmo com textos sofisticados, não retirou Menocchio de sua cultura, mas, ao contrário, realçou a especificidade de suas interpretações, adaptadas a uma realidade ainda refratária a abstrações e fortemente marcada pela vivência concreta e materializada dos fenômenos religiosos e das religiosidades. Para entender a origem do mundo, Menocchio serviu-se de algo que lhe era familiar, cotidiano, conhecido: fez da origem do queijo e dos vermes, por analogia, a Gênese; através da mistura de cultos pagãos e cristãos deu suporte à sua formulação herética.

3.10. Mas se uma análise tão aprofundada da história de um herege que acabou queimado pela inquisição por não conseguir deixar de propagar suas idéias pode parecer apenas o relato excepcional de um personagem bizarro, devemos novamente estar atentos às advertências do autor: “dois grandes eventos históricos tornaram possível um caso como o de Menocchio: a invenção da imprensa e a Reforma”. É, portanto, no cruzamento entre a micro-história de nosso moleiro e a macro-história das Reformas e das transformações que marcaram a Época Moderna que podemos entender a “produção” de um personagem como Menocchio. Domenico Scandela encarnou a dinâmica da circularidade cultural, tendo acesso a livros produzidos pela cultura letrada e adaptando suas leituras às vivências cotidianas de uma comunidade camponesa.

3.11. Ginzburg levaria ainda mais longe suas reflexões sobre os diferentes níveis de interpenetração das culturas com o seu História Noturna. Decifrando o sabá5, publicado em 1989. Com esse trabalho, praticamente se fecha o ciclo iniciado com os benandanti: partindo da força da cultura dominante, Ginzburg descobriu com Menocchio a resistência da cultura subalterna e a circularidade cultural entre as classes dominantes e populares, até chegar à decifração do estereótipo do sabá, construção da cultura letrada, porém eivada de reminiscências pagãs, de longuíssima duração, e reveladora de uma dinâmica cultural ainda mais complexa que a apontada no caso de Menocchio. Fruto da obsessão de inquisidores e juízes, o estudo do ritual do sabá feito por Ginzburg desvendou uma história “noturna” e desconhecida, alimentada por mitos e medos ancestrais, conformando o que o autor chamou de “formação híbrida de compromisso”, resultado híbrido de um conflito entre cultura folclórica e cultura erudita. Na história noturna do sabá, Ginzburg retoma a problemática dos benandanti e avança ainda mais teoricamente ao observar perseguidores e perseguidos igualmente atravessados pela dinâmica dos encontros e embates culturais.

3.12. Como se vê, foram muitos os temas tratados por Carlo Ginzbrug ao longo de mais de 30 anos de pesquisa dedicada à feitiçaria, às religiosidades populares, à cultura em sua dimensão histórico-antropológica. Publicados desde meados da década de 80 no Brasil, seus trabalhos, felizmente, abriram um campo de investigação bastante promissor entre nós. Só para lembrar dois exemplos de nossa melhor historiografia e que claramente incorporaram os passos indicados por Ginzburg, cito o livro pioneiro no estudo da feitiçaria e das religiosidades populares no Brasil colonial, O Diabo e a Terra de Santa Cruz, de Laura de Mello e Souza, e A Heresia dos Índios, de Ronaldo Vainfas, que reconstrói a história de uma seita católico-tupinambá acolhida por um senhor de engenho na segunda metade do século XVI.6

3.13. Abordagem sofisticada e minuciosa, a história cultural tal como concebida por Carlo Ginzburg se interessa pelo detalhe e pelo contexto, pelas micro e pelas macro-questões que, articuladas, podem nos aproximar um pouco mais de nossos antepassados. Decifração de indícios, ciência do particular, a história cultural se move em terreno acidentado e misterioso e, sem prescindir jamais das fontes, autoriza alguns vôos, muitos deles também noturnos, já que “a tentativa de conhecer o passado também é uma viagem ao mundo dos mortos.”

NOTAS:
1 O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. A primeira edição italiana do livro é da Giulio Einaudi Editore, 1976. A edição brasileira é da Companhia das Letras, 1986.
2 A tradução brasileira é de 1988, com o nome Os andarilhos do bem. Feitiçarias e cultos agrários nos séculos XVI e XVII, pela Companhia das Letras.
3 Publicado no Brasil com o título A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. O contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1987.
4 Refiro-me ao texto “O inquisidor como antropólogo: uma analogia e suas implicações” in Micro-História e Outros Ensaios. Lisboa: Difel, 1991.
5 A edição brasileira de História Noturna também é da Companhia das Letras.
6 Os dois trabalhos foram editados pela Companhia das Letras. O primeiro, O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial, é de 1986 e o segundo, A Heresia dos Índios. Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial, é de 1995.

4. Antes de mais nada, um bom aplauso ao texto da professora! (Advertência: esse post não tem caráter apologético ou adulador, pois já fui aprovado na disciplina de Moderna II).
O texto é preciso em analisar o contexto de produção de "O Queijo e os Vermes" e mais, coloca em relevo a matriz teórica sobre a qual Ginzburg se apóia e dialoga para entender o processo de "circularidade cultural".

5. O termo "história cultural" atribuído a Ginzburg nesse texto, porém, merece dois comentários. (i) Vincular a micro-história com a história cultural rompe com barreiras taxonômicas e estanques, como se ao intelectual "rigoroso" só fosse possível aplicar modelos fechados/prontos para cada objeto por vez. Romper esses limites me agrada, essa perspectiva holística da ciência é um bom caminho; (ii) Pontuar o trabalho de Ginzburg como "história cultural", no geral, e "micro-história", no particular, minimiza a riqueza metodológica do saber indiciário. Explico.

6. A partir da década de 70, do século XX, a já forte tradição emanada dos Analles, conhece uma "virada cultural", ou seja, a história dialoga com as demais ciências humanas/sociais, especialmente com a antropologia e, sobre a base da "história da mentalidades, concentra um olhar mais sobre a ação humana como objeto de análise do conhecimento histórico. O desdobramento disso é a disseminação de abordagens mais particulares, como a história de gênero, de costumes, hábitos, crenças, enfim, culturais. Sobre esse aspecto, o destaque acima no parágrafo 3.6 é preciso. Ainda, o deslocamento teórico e metodológico que o empreendimento de Ginzburg imprime à historiografia é notável. Porém, o conceito de cultura circular que emerge dos estudos do historiador italiano não é suficiente para o colocar ao lado, ou pelo menos na mesma categoria, de uma história cultural, no sentido conceitual do termo dentro da historiografia.

7. Considerando a "História Cultural" de Roger Chartier, por exemplo, grande nome dessa escola teórica, afasta Ginzburg dessa maneira de fazer história. Os motivos? Ora, a história como narrativa é o principal deles. Se o referencial é história cultural, entendida como história narrativa, tal qual Chartier, Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) ou Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil), estamos falando de coisas diferentíssimas! Digressão: muito embora as obras brasileiras citadas sejam da década de 30, é quase unânime, entre historiadores, tê-las como "história cultural". Sem dúvida o debate teórico é intenso nesse campo, mas o que não se pode perder de vista é a interdisciplinaridade de Ginzburg (o caso citado em 3.10 sobre a interseção de micro e macro história - caso particular na análise - não pode se tornar regra do ofício teórico de Ginzburg) em confusão com sua adoção metodologica.

8. Não se quer aqui acusar a professora de engano epistemológico, mesmo porque do último parágrafo do texto desenha-se aquele caçador que conhecemos bem:
Abordagem sofisticada e minuciosa, a história cultural tal como concebida por Carlo Ginzburg se interessa pelo detalhe e pelo contexto, pelas micro e pelas macro-questões que, articuladas, podem nos aproximar um pouco mais de nossos antepassados. Decifração de indícios, ciência do particular, a história cultural se move em terreno acidentado e misterioso e, sem prescindir jamais das fontes, autoriza alguns vôos, muitos deles também noturnos, já que “a tentativa de conhecer o passado também é uma viagem ao mundo dos mortos.”
Muito embora, seja micro-história ou história cultural, para nosso amigo italiano, história não se faz com narrativa, muito menos com dicotomizações.

DANIEL BRASIL JUSTI

5 comentários:

  1. Meu amigo Justi. Toda a sua argumentação está sustentada por uma afirmação inplícita: toda história cultural é história narrativa, e, nesse caso, história narrativa nos termos em que você a vem apresentando. Pode-se afirmar isso: toda história cultural é, necessariamente, história narrativa? Se sim, impecável seu texto; se não, poder-se-ia considerar que a professora não falasse de história cultural como narrativa, e, nesse caso, seu arrazoado se desmonta.

    E então? Toda história cultural é necessariamente narrativa?

    Osvaldo Luiz Ribeiro

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  2. Amigo sumido, meu texto tem um motivo bem claro: para os historiadores de tradição marxista, de um lado, e para os pós modernistas de outro, micro-história não é método. A idéia geral que se tem é a seguinte: história cultural é derivada de um desconstrucionismo epistemológico, portanto, pós-moderna. A micro-história, então, seria um método, ou conjuto de procedimentos de se "fazer" história cultural. Ginzburg não comunga desse pressuposto. Sequer o historiador italiano quer estar vinculado a uma categoria historiográfica taxonômica! Eis o porquê dele, no capítulo que nos propomos a discutir aqui, "organiza" o que seria essa saber indiciário, portanto, micro-história. Esse termo é cunhado pela historiografia para rotular o ofício teórico de Ginzburg. História cultural então seria uma corrente historiográfica que se insere na dimensão desconstrucionista da história e que não compreende como possível a apreensão da realidade tal como ela é, assim, para pós-modernos e marxistas, em categorias classificatórias, Ginzburg não faz História! Segundo esse critério de classificação, História não é ciência... Conversando com uma marxista, ela me disse que Ginzburg pensa assim, muito embora, ao ler esse capítulo, ela disse que ele parece acreditar na história como ciência - uma contradição evidente entre como a tradição historiográfica marxista o classifica e como o lê nos seus textos. Os pós modernos, por sua vez, o classificam à sua maneira inserindo-o na história cultural. A minha percepção é: (i) Ginzburg não está engessado em um método pré-definido; (ii) história cultural não precisa ser, necessariamente, narrativa, mas assim o querem pós modernos e assim a classificam marxistas; eis o motivo desse texto.
    Minha opnião? Às favas esse ímpeto classificatório que minimiza ou rotula a ciência e seus intelectuais, rótulos são para geléias, ora...

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  3. Mas, afinal, você não respondeu minha pergunta: história cultural é necessariamente narrativa? Se houver uma única forma de história cultural que não seja narrativa, seu texto incorreu em equívoco; se não há, então está tudo bem. O que você argumenta sobre a micro-história está resolvido. Não se trata mais disso - trata-se, apenas, de verificar a procedencia de seu arrazoado em face da história cultural. Então volte lá, e responda.

    Outra coisa: fuja aos rótulos, e terá fugido da questão fundamental. Não tenho medo de rotular. Rótulo não é juízo. Se não fugimos da "materialidade" - fugimos? - como fugir da Tabela Periódica? Ou se é capaz de classificar determinado pensamento, ou não se foi capaz de captar de que pensamento se trata. Não? E, como reconhece - e eu com ele - Karl-Otto Apel, história, sem juízo, não é história.

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  4. Amigo, você quer que eu seja taxativo? Sim, para mim, a história cultural é, necessariamente, narrativa. As mudanças epistemológicas que propõem esses teóricos estiveram ligadas à reorientação da postura do historiador,
    a partir dos conceitos de: representação, imaginário, narrativa e ficção. Chartier dizia que a proposta da história cultural seria, pois, decifrar a realidade do passado por meio das suas
    representações, tentando chegar àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressam a si próprios e o mundo. Ora, essa definição e a consequente operação não correspondem aos caminhos de nosso amigo italiano. A acusação de marxistas ferrenhos de um lado, de pós modernos de outro, é de que a micro-história é história cultural, pois foi a partir da reorientação epistemológica dos historiadores é que se configurou a micro-história. A meu ver há apenas uma confusão: os métodos da história cultural, da terceira geração dos Analles ao se tornarem tão interdisciplinares, aproximaram história e antropologia, com isso, confunde-se essa aproximação a partir do conceito de cultura. Era o que pós modernos queriam: descrição densa e redação de narrativas para falar sobre a realidade, mas não analisá-la, assim, cada narrativa seria uma verdade. Do lado de cá, juntamente com Ginzburg, eu diria que a emergência da história cultural, com seu método interdisciplinar deu voz ao saber indiciário, amplamente atestado, como método, desde o século XIX, mas não foi o que o definiu. Não foi a micro-história que "saiu" da história cultural, apenas, a partir da enunciação de história cultural, na mais absoluta polissemia do termo é que se forjou o conceito de micro-história, por esta, ser baseada no saber indiciário.

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  5. Interessante esse embate, tornou a questão ainda mais rica!!!

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