sexta-feira, 9 de abril de 2010

(2010/006) Comentário à segunda reação do Osvaldo em (2010/005)



1. Antes de mais nada devo demonstrar o caminho heurístico que me levou à intuição de que: "Os teóricos proponentes de uma micro-história emergem de um marxismo pouco inclinado à metafísica." A afirmação tem duas explicações para ter saído de meu teclado: (a) LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo: Unesp, 1992. p. 133-161; e, a outra, (b) intuição a partir de outras leituras, debates na faculdade e observações das disputas retóricas no campo da política.

Como diria Jack, o estripador, vamos por partes...

2. A citação: “Aqueles historiadores que aderiram à micro-história em geral tinham suas raízes no marxismo, em uma orientação política para a esquerda e em um secularismo radical com pouca inclinação para a metafísica. Apesar do fato dessas características estarem manifestadas de modos amplos e diversos, acredito que serviram para ancorar firmemente esses historiadores à idéia de que a pesquisa histórica não é uma atividade puramente retórica e estética.” (p. 135).

Aqui Levi resume o que entende por certa “gênese” do pensamento de teóricos da micro-história em “sua polêmica programática com o Estruturalismo e a pós-modernidade não-fundacional” – como você mesmo redigiu, caro blogueiro.

A meu ver é uma percepção precisa, porém Levi está “roubando”. Por que? Ora, porque além de ser italiano, morar na Itália, ter inúmeras bibliotecas de excelentíssima qualidade à disposição e ainda estudar temas que lhe estão a dois palmos de distância na estante da biblioteca, ele ainda tem os debates originários entre essas correntes teóricas. Nós, aqui no térreo do mundo, estaríamos fritos se dependesse somente de nós para essa conclusão. Ou não. Explico.

3. É certo que o acesso às melhores bibliotecas, estar no centro dos debates acadêmicos e, ainda, no calor do momento em que ocorrem, é uma vantagem inigualável, porém, aqui no térreo do mundo, também temos essa possibilidade.

Digo isso, pois essa frase que postei no blog, originalmente, foi sim retirada do livro do Burke, porém, dela já me valia bem antes disso. Direi o porque.

O caminho que percorri para tal conclusão iniciou-se com a leitura de Françoise Dosse – História do Estruturalismo. No volume dois é quase hierofânica a experiência de ler os altos e baixos entre história e/ou estruturalismo, só lendo para perceber. Mas ali, quando iniciei minha leitura, há alguns anos, parei. Retomei Saussure, li todas as premissas de seu póstumo “Curso de linguística” e em seguida apoiei-me em Jean-Marie Auzias – “Chaves do Estruturalismo”. Retomei a leitura de Dosse. Pronto, estava claro para mim a polêmica que estava em jogo. Althusser bem que tentou salvar uma história estruturalista, mas foi a “virada antropológica” dos Annales que situou o debate, na minha opinião, mais precisamente. Do lado do Estruturalismo a história perdia seu fôlego e a subjetividade tinha a última palavra sobre epistemologia, mas, por outro, as constantes interpelações da antropologia sobre a história movram Clio na direção de uma virada inevitável. Sahlins e Geertz ajudaram muito a me mostrar, na prática, o que representava essa “dobra” em Clio.

A alternativa do Estruturalismo, desconsiderando o “louco” do Althusser, frente ao marxismo? Simples: Derrida e o “super” pós-estruturalismo/modernismo via desconstrutivsimo. Para mim, o quadro ficou desenhado, não precisava mais de Levi, porém, a citação acima mencionada endossou minha visão.

Me fiz entender, Osvaldo? Reaja, por favor!

Me fiz entender, leitor? Os comentários estão aí para isso, escreva!

Ah! Quase ia me esquecendo: sabe qual a cereja do bolo nesse cenário todo? “Relações de Força”, de Ginzburg!

4. Osvaldo, caro amigo, o seu comentário sobre modelos sociológicos, calvinismo, alegoria e metafísica disfarçada talvez não tenha sido o melhor caminho comparativo, pois o público que aqui nos lê, provavelmente não está familiarizado com esse contexto “teológico” de disputas. Isso, talvez comprometa o entendimento do que você quis dizer a quem não é da área, mas eu entendo o que você quis dizer. Sobre isso tenho a acrescentar que a sociologia, para mim, nesse particular de engendrar modelos explicativos de estrutura social, nada mais faz do que recorrer ao modelo estruturalista. Veja, por exemplo, e para mim isso é fundamental para perceber o quadro que você, com termos teológicos pintou, os debates entre as teorias de Geertz e Strauss.

Strauss e a antropologia estrutural, explicativa e o sentido na Estrutura, sim, evocava uma “estrutura” (metafísica) para explicar e compreender fenômenos culturais de longa duração. Claro, seu contexto de pós guerra fazia imperativa a explicação do sem sentido do conflito, mas chamar essa causa de “estrutura” e travestir o conceito científico de hipótese heurística para dar conta de uma questão existencial é, sim, puro calvinismo, nesse sentido. Geertz, por outro lado, com uma antropologia interpretativa, compreensiva e calcada na objetividade da etnologia nunca negou a dimensão histórica (no sentido pós-iluminista do termo), concreta, real, material.

A distinção entre esses dois olhares antropológicos evidenciam bem a necessidade que cientistas têm de fugir do politicamente incorreto positivismo, mas continuar nele, com outra roupa. Essa atitude os exime da falida metafísica, mas os conferem status de cientificismo.

5. Por fim, faço coro com você em saudar não a micro-história, pois essa é um construto conceitual taxonômico de pós-estruturalistas e uma roupagem científica aos não metafísicos de linhagem marxista que a vestem para entrar no debate. Mas saúdo o paradigma indiciário como um modelo epistemológico tão primário (no sentido de evidente, claro, real, material, concreto) que pressupõe olhos humanos para desvendá-lo. E aí sim, aí estamos fazendo o que o século XIX nos legou. E mais: somos honestos em assumir o jogo heurístico da modernidade sem subterfúgios metafísicos das “estruturas” e nem centrar toda verdade no sujeito, como bem querem os discípulos de Derrida...


DANIEL BRASIL JUSTI

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