quinta-feira, 8 de abril de 2010

(2010/005) Segunda reação ao 2010/002, do Daniel


1. "Os teóricos proponentes de uma micro-história emergem de um marxismo pouco inclinado à metafísica". Daniel, vou comentar essa sua declaração. Outra hora, seria conveniente que desse satisfação da fonte dessa declaração: se ela é sua, e nesse caso, cOm base em que dados, ou se ela é de terceiros, e onde está. Num ou noutro caso, contudo, ela me parece adequada.

2. Nosso amigo comum, Élcio Sant'anna, algumas vezes discutimos sobre metodologia. Eu sempre lhe fiz saber, mas apenas recentemente discutimos seriamente essa questão, por telefone!, que a aplicação metodológica dos modelos sociológicos sempre me pareceu uma tentativa retórica e programática de desvio do "positivismo", mas que, a rigor, constituía-se numa redução metafísica. O sujeito, para não se revelar, ao cabo dos trabalhos, um "positivista", dizia empregar o modelo weberiano, por exemplo. Assim, ele podia alegar que seus pressupostos estavam alicerçados no modelo sociológico xis, e que sua atitude heurística não era negligente da ideologia comum a toda operação humana...

3. Contudo, eu lhe dizia - e com que cargas d'água Weber construiu seu modelo? Não teria sido por meio de observação da sociedade? Ora, se a observação da sociedade, por Weber - como, de resto, por qualquer sociológico - produz um sistema, e os sociológicos atuais usam tal sistema para fugir de um positivismo demonizado, como explicar que a observação positiva da sociedade tenha produzido o modelo-base antes do modelo? Se, com todos os riscos positivistas, Marx, Weber, Durkheim e toda a sociedade dos sociológicos não observaram a realidade, quando estabeleceram seus respectivos modelos, qual a diferença entre eles e Alice no País das Maravilhas? Mas porque um sociólogo se acha justificado aplicando modelos weberianos, mas não, por exemplo, o calvinismo? Calvinismo é mito. Ponto. Mas, se a base metodológica dos sistemas sociológicos não é próximo-positivista, quero dizer, materialista, heurística, então a base sociológica não é nada além de uma miragem estética e política, igualzinho ao calvinismo.

4. O pavor do real, a superficialidade em discutir as implicações da virada hermenêutica nas ciências, faz um sujeito empregar Durkheim ao mesmo tempo em que critica a Exegese... e a História. Mas, no fundo, na aplicação de Durkheim, está pressuposta a base material e positiva, "objetiva", ´pressuposta na origem do modelo durkheimiano.

5. Por outro lado, a tentativa de driblar a positividade heurística da modernidade crítica por meio do recurso aos "modelos" sociológicos reintroduz a metafísica, mas uma metafísica não-mitológica, como o é a da teologia, mas uma metafísica platônico-idealista que não a diferiria, em absoluto, de um jogo epistemológico não-fundacional, puro exercício diletantista, estético, comercial, "consumível". O sujeito "pega" o modelo e o aplica... Ora, o nome disso é alegoria, e nada mais do que isso. Você pode pegar qualquer sistema e aplicá-lo sobre qualquer coisa. É assim que a teologia faz com a Bíblia, por exemplo, qualquer teologia. Todas as teologias são bíblicas!, isto é, todas as teologias aplicam-se forçosamente sobre o texto bíblico, fazendo-o dizer o que elas, as teologias, querem que ele, o texto, diga. Do mesmo modo, posso "ler" qualquer estrutura histórica por meio de modelos - marxista, weberiano, durkheimiano, paretiano. Alegoria travestida de investigação...

6. Nesse sentido, eu saúdo a perspectiva da micro-história, nesse particular materialista. Talvez essa saudação se deva ao fato de eu me enxergar no método. Sou acusado até por meus amigos de ser neo-positivista... Fazer o quê? Dizer-me neo-positivista é não entender nem o positivismo e nem a mim, mas eu relevo. Isso fica para outro dia. O que me encanta na micro-história é seu parentesco com o paradigma indiciário - a metodologia venatória que a fundamenta, quando e se a fundamenta. É preciso ser materialista na pesquisa, no sentido de que é necessário lidar com o fato bruto - conquanto eu não descuide, um só monmento, de que há uma teoria implícita ou explícita entre mim e o fato bruto, e que o materialismo objetivo da pesquisa faz-se operar o tempo todo dentro de um tonel ideológico. Suprima-se o fato bruto, e a pesquisa se transforma em histórias de Peter Pan. Suprima-se a teoria mediadora, e a pesquisa se transforma em self deception. Não se pode nem começar pelo fato bruto em si, nem pela teoria mediadora - tem-se de lidar com os dois, ao mesmo tempo. Como faz o caçador, eu diria.

7. Faz sentido?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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